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Agendas da Falsa Consciência

Autor(a)

Flavia Virginia

Categoria

Revista

Data

28 de janeiro de 2007

Língua

Português (PT)

Meio de publicação

Revista Língua Portuguesa – Conhecimento Prático

בס״ד

Agendas da Falsa Consciência


De que modo adquirimos leitura crítica ao longo da vida? Os caminhos são muitos, mas vamos destacar aqui apenas dois, os quais muitas vezes se entrelaçam: ou a partir da mídia, tanto a de massa (tv, rádio, jornais e revistas), quanto pela via da internet; ou o conhecimento formalizado através do ensino. Este pode ser dar em níveis distintos: é possível estudar apenas para passar de ano, para se preparar para a carreira escolhida ou ainda para trocar ideias e ampliar as próprias.


A transmissão do conhecimento, no entanto, não costuma ser transparente: é ele a primeira coisa a ser manipulada em sociedades complexificadas como a nossa – um imenso contraste com outras mais simplificadas, onde o conhecimento de um costuma ser o de todos os membros. Mesmo quando isso não é possível (por colocar o bem-estar do conjunto em risco, por exemplo), não haverá distorções no conhecimento e nas informações nestas sociedades, porque o que as mantém integradas é o fato da partilha. Por exemplo, muitas sociedades se sentem naturalmente fazendo parte de um sistema que estimula a interdependência entre o indivíduo, o grupo, os outros seres e o meio-ambiente, entendendo que é através desta partilha de uma cultura vivente que permite que as coisas sigam seu curso natural.


Desta maneira, nos vemos envoltos, geralmente, por uma série de falsas conscientizações sobre os assuntos, levando em consideração apenas um lado da moeda, pois temos pouco espaço para o aprofundamento das temáticas, a separação entre o joio e o trigo, as opiniões que se distanciam do habitual, o encontro com as formas de pensar de outras civilizações. É assim também que em todos os lados nos vemos discutindo fatos e ideias ora morna, ora acaloradamente, mas quase nunca conseguindo sair de um determinado molde de pensamento, pois não temos elementos que nos embasem para isso. As ideias passam então a funcionar mais como slogans que vamos repetindo e seu poder transformador se perde quando a mídia nos traz outra notícia bombástica – para o entretenimento da nossa ânsia de falar e para a sorte dos donos de bar. Portanto, a título de exercício, expomos abaixo uma lista de ideias que nos envolvem, tentando acrescentar dados de reflexão que visem à expansão do seu poder de transformação e criação de um estado de bem-estar.


  1. Agir sobre a pobreza sem refletir sobre a riqueza;

  2. trocar para o consumo verde em vez de repensar a necessidade do consumo;

  3. pensar em ecologia sem entender nosso papel no sistema da Terra;

  4. promover ecumenismo sem aceitar inteiramente as diferenças na visão de mundo, entendimentos de si e hierarquias de valores que são o motivo da existência das das diferentes religiões;

  5. usar as redes sociais para comunicar mais do mesmo, ora na forma, ora no conteúdo, ora na consequência;

  6. aceitar a imposição (nem tão sutil) da perda da privacidade que o tipo de interação mais comum das redes sociais nos faz;

  7. usar jargões como sustentabilidade, responsabilidade social e empresarial e ética sem propor um novo modelo de homem;

  8. condenar o sistema prisional como um todo, mas não exigir uma Justiça que restaure a paz em vez de apenas (mal)punir;

  9. aceitar a agenda do “politicamente correto” como se deixar de usar certas palavras ou de tocar em certos assuntos nos ajudasse a solucionar problemas, em vez de encará-los de frente falando e resolvendo com nossa inteligência e nossa força de ação;

  10. buscar avidamente o novo/a notícia em lugar de encantar-se pelo eterno/pelo conhecimento;

  11. permitir que o conhecimento se torne uma commodity como outra qualquer com a abertura de inúmeras faculdades e aceitar a exigência constante de mais titulação sem a contrapartida da reforma na finalidade da educação;

  12. substituir a noção de injustiça pela de abuso, tentando resolver os males da falta de equanimidade, esticando, com direitos sociais, os recursos e condições de que desfrutam alguns, como se fossem infinitos, em lugar de entender que, por mais que fosse possível esticá-los, aqueles que estão de fora do processo de bem-estar lá permaneceriam, pois lá foram jogados por força da injustiça histórica que continuamos a manter através de nossa ignorância;

  13. insistir no uso do pronome "eles" quando quase sempre trata-se de "nós".


A lista poderia seguir indefinidamente, mas o importante aqui é ter coragem de refletir com profundidade sobre os temas, pois é ela quem nos faz humanos; e só ocupando este lugar é que poderemos nos saber realmente livres para escolher e firmes para responder por nossas escolhas. E deixar para as próximas gerações o legado de um humano mais forte e mais coeso.


*Uma agenda política é uma temática levantada por organismos políticos tanto para debate público quanto para influenciar a tomada de decisões num futuro próximo.


Flavia Virginia

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